segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

As tentações de Cristo - Sandro Botticelli







As Tentações de Cristo




Sandro Botticelli



Um afresco, encomendado a Botticelli pelo Papa Sisto IV para a capela do conclave, que se veio a chamar Capela Sistina, precisamente pelo fato de ter sido esse Papa que a mandou construir.
As três tentações de Cristo integram-se na Cena do Sacrifício Judeu. À esquerda de quem olha, ao fundo alto, vemos a tentação do pão; na cena do meio, a tentação no pináculo do templo, tentação do triunfo e da glória; à direita, a tentação das riquezas e do domínio sobre os reinos da Terra.
Interessante é o fato de o pintor as ter enquadrado na cena do Sacrifício Judaico, que diariamente se realizava diante do templo de Salomão. Observamos o Sumo Sacerdote, diante do fogo, recebendo uma taça cheia de sangue, enquanto outras pessoas levam animais (galinhas, numa bacia, ao fundo, do lado esquerdo) lenha (figura feminina, de branco, com um molho à cabeça), cacho de uvas (a criança, à frente desta última figura feminina).




O sentido do quadro parece evidente: o mundo será salvo, não pela abundância de comida (o pão), nem pelo espetáculo da glória (pináculo) nem pelo poder e riquezas deste mundo (3ª tentação). O verdadeiro sacrifício salvador é o do corpo e sangue de Cristo, prefigurado na carne dos animais sacrificados e no vinho das uvas trazidas pela criança. O próprio Cristo, rodeado de quatro anjos, logo abaixo da cena da primeira tentação, parece explicar o sentido da cena.
Na primeira tentação, vemos o demônio apontando as pedras. Como é próprio da tentação, aparece disfarçada de bem. Assim, o demônio veste hábito de monge eremita e empunha umas contas na mão esquerda, fazendo pensar que é um homem de oração. O fato de ter barbas brancas e se apoiar num bordão significa que é um monge idoso, portanto homem de virtude provada. Este tipo de disfarce tem atrás de si uma tradição iconográfica medieval.




A verdadeira natureza do demônio revela-se, porém, quer nas patas de ave de rapina, quer nas asas de morcego que lhe nascem das costas. No bestiário demoníaco, o morcego é um dos animais que mais frequentemente simboliza o demônio. Como se oculta nas cavernas, donde apenas sai de noite, parece ter-se prestado, melhor que nenhum outro animal, para representar o Príncipe das Trevas. Esse simbolismo é tanto mais evidente quanto, por oposição, a imagem de Cristo se encontra envolvida por uma auréola de luz que irradia da cabeça e das costas, em oposição às asas negras que saem das costas do demônio.




Na terceira tentação, contudo, ao fundo alto, do lado direito, enquanto Cristo mantém os atributos luminosos, o demônio revela a sua verdadeira natureza. Deixa cair o bastão e perde o hábito monacal, mostrando então o corpo animalesco recoberto de pelos. O fato de apresentar cauda leva-nos a interpretar a figura como combinação de morcego (asas), águia (patas) e leão (cauda e pelos). O leão pode representar Cristo, mas também o demônio, simbolismos que já vem do Antigo Testamento (Sansão e David lutam com leões e matam-nos. Recorde-se também o versículo do salmo 21 “Salva-me da boca do leão”). Este último é o simbolismo dos leões antropófagos de muitas igrejas românicas. Para o confirmar, nem precisamos de sair de Braga. Basta observar a decoração que se encontra na base da pia batismal da Sé de Braga, onde leões devoram as crianças que não forem batizados.




Luís da Silva Pereira, Professor de Arte Sacra e de Iconografia

Nenhum comentário: