segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Madona na Floresta - Fra Felippo Lippi



A Madona na Floresta , concluída até 1459, pintura de Filippo Lippi . A Virgem Maria e o recém- nascido Menino Jesus deitado ao chão , num cenário, íngreme, escuro e arborizado . Não há pastores , reis, boi , burro , nem São José . Lippi remove toda uma gama de detalhes narrativos, comuns na temática da natividade e adoração de Jesus na época . Foi pintado para um dos homens mais ricos da Florença renascentista, o banqueiro Cosimo de Medici .
Florença na década de 1440 vivia um momento expansivo em sua história. Cosimo era o homem mais rico de Florença, um homem de poder , que ciente de ter levado uma vida pecaminosa . Tinha um filho bastardo e enriquecera emprestando dinheiro e cobrando juros , cometendo o pecado da usura , uma prática a ser punida pela eternidade no inferno .
Cosimo manda construir a primeira capela interna já feita em toda a Itália , como uma oferta de paz a Deus . Um lugar para Cosimo ajoelhar-se e fazer penitência. As paredes eram decoradas com afrescos extravagantes , incluindo um retrato de si mesmo .
Mas o coração da sala seria o retábulo - a Natividade. Para isso escolheu um artista famoso, o frade carmelita - Fra Filippo Lippi e o resultado foi um dos trabalhos mais inovadores e belas do Renascimento italiano .
A pintura foi um exemplo de definição de um novo gênero na arte - a adoração - onde o foco é Maria e o Menino Jesus . Baseada nas visões e nos ensinamentos de Santa Brígida da Suécia, onde Cristo, Deus feito homem é colocado entre as rochas , o próprio material do qual o nosso mundo foi feito .
Em vez de pastores e sábios , Lippi apresentou dois santos humildemente vestidos .
João Batista ,com a idade de 7 anos, quando sai de casa para levar uma vida austera no deserto. Aqui ele carrega um pergaminho que proclama em latim : Eis o Cordeiro de Deus. Acima dele , ajoelhado em oração e profunda meditação, o monge , Bernardo de Claraval , fundador da Ordem de Cister e profundo devoto da virgem. São Bernardo depois de laboriosas jornadas retirava-se para a cela para escrever obras cheias de otimismo e doçura, como o Tratado do Amor de Deus e o Comentário ao Cântico dos Cânticos que é uma declaração de amor a Maria. É também o compositor do belíssimo hino Ave Maris Stella. Também é sua a invocação: " Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria" da Salve-rainha".
Poucas pinturas sobre a Natividade tinham incluído a Santíssima Trindade - Deus Pai, Seu Filho, e o Espírito Santo, em formato de pomba . Era uma questão importante para Cosimo, que havia ajudado a resolver uma disputa teológica sobre a natureza da Trindade.
Mas a pintura também tem um lado mais sombrio . As flores silvestres que crescem a volta de Jesus menino, apesar de sua delicadeza, ocultam um fato: - Suas cinco pétalas representam as cinco chagas que Jesus receberá durante sua crucificação. No chão, um pintassilgo, pássaro que se alimenta de sementes do espinheiro , chamando a atenção para a coroa de espinhos na ocasião de seu sacrifício.

Além disso, há a paisagem inquietante . Não há o cenário tradicional do estábulo, mas uma densa floresta escura - " . Esta foi a inovação de Lippi e uma obsessão de Cosimo, a floresta em Camaldoli, leste de Florença, onde , no século XI  Romuald havia fundado um mosteiro , ao qual os Médici foram muito dedicados . Além disso, os monges derrubavam os altos pinheiros da floresta para fornecer madeira para as construções de Florença. Estas árvores caídas estão espalhadas através da pintura e lembravam também as palavras bíblicas de João Batista. "Agora está posto o machado até a raiz das árvores , e, no final , toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo" - uma evocação clara ao Juízo Final , ao fim dos tempos.
 Felippo Lippi optou por assinar a obra no cabo do machado , em um virtuoso escorço . No ano de 1459 o trabalho de Lippi foi concluído e a pintura colocado acima do altar particular de Cosimo . Quatro anos depois, Cosimo morreu . Uma década depois de terminar a Adoração Fra Filippo Lippi morreu .
Sandro Botticelli, aluno de Filippo Lippi , adotou seu estilo que também foi muito apreciado por Michelangelo. Logo, sua obra "a madona na floresta" tornou-se um dos quadros mais copiados do século XV.



http://youtu.be/H67yogB28-s

As tentações de Cristo - Sandro Botticelli







As Tentações de Cristo




Sandro Botticelli



Um afresco, encomendado a Botticelli pelo Papa Sisto IV para a capela do conclave, que se veio a chamar Capela Sistina, precisamente pelo fato de ter sido esse Papa que a mandou construir.
As três tentações de Cristo integram-se na Cena do Sacrifício Judeu. À esquerda de quem olha, ao fundo alto, vemos a tentação do pão; na cena do meio, a tentação no pináculo do templo, tentação do triunfo e da glória; à direita, a tentação das riquezas e do domínio sobre os reinos da Terra.
Interessante é o fato de o pintor as ter enquadrado na cena do Sacrifício Judaico, que diariamente se realizava diante do templo de Salomão. Observamos o Sumo Sacerdote, diante do fogo, recebendo uma taça cheia de sangue, enquanto outras pessoas levam animais (galinhas, numa bacia, ao fundo, do lado esquerdo) lenha (figura feminina, de branco, com um molho à cabeça), cacho de uvas (a criança, à frente desta última figura feminina).




O sentido do quadro parece evidente: o mundo será salvo, não pela abundância de comida (o pão), nem pelo espetáculo da glória (pináculo) nem pelo poder e riquezas deste mundo (3ª tentação). O verdadeiro sacrifício salvador é o do corpo e sangue de Cristo, prefigurado na carne dos animais sacrificados e no vinho das uvas trazidas pela criança. O próprio Cristo, rodeado de quatro anjos, logo abaixo da cena da primeira tentação, parece explicar o sentido da cena.
Na primeira tentação, vemos o demônio apontando as pedras. Como é próprio da tentação, aparece disfarçada de bem. Assim, o demônio veste hábito de monge eremita e empunha umas contas na mão esquerda, fazendo pensar que é um homem de oração. O fato de ter barbas brancas e se apoiar num bordão significa que é um monge idoso, portanto homem de virtude provada. Este tipo de disfarce tem atrás de si uma tradição iconográfica medieval.




A verdadeira natureza do demônio revela-se, porém, quer nas patas de ave de rapina, quer nas asas de morcego que lhe nascem das costas. No bestiário demoníaco, o morcego é um dos animais que mais frequentemente simboliza o demônio. Como se oculta nas cavernas, donde apenas sai de noite, parece ter-se prestado, melhor que nenhum outro animal, para representar o Príncipe das Trevas. Esse simbolismo é tanto mais evidente quanto, por oposição, a imagem de Cristo se encontra envolvida por uma auréola de luz que irradia da cabeça e das costas, em oposição às asas negras que saem das costas do demônio.




Na terceira tentação, contudo, ao fundo alto, do lado direito, enquanto Cristo mantém os atributos luminosos, o demônio revela a sua verdadeira natureza. Deixa cair o bastão e perde o hábito monacal, mostrando então o corpo animalesco recoberto de pelos. O fato de apresentar cauda leva-nos a interpretar a figura como combinação de morcego (asas), águia (patas) e leão (cauda e pelos). O leão pode representar Cristo, mas também o demônio, simbolismos que já vem do Antigo Testamento (Sansão e David lutam com leões e matam-nos. Recorde-se também o versículo do salmo 21 “Salva-me da boca do leão”). Este último é o simbolismo dos leões antropófagos de muitas igrejas românicas. Para o confirmar, nem precisamos de sair de Braga. Basta observar a decoração que se encontra na base da pia batismal da Sé de Braga, onde leões devoram as crianças que não forem batizados.




Luís da Silva Pereira, Professor de Arte Sacra e de Iconografia