domingo, 22 de setembro de 2013

Platão - A Arte e o Belo






Platão em seu diálogo, "A República", conclui estar a pintura e a escultura abaixo da 
verdadeira  Beleza, sendo supérfluas se comparadas aos objetivos da ciência, uma vez que sua produção é inconsistente e ilusória.

Para o filósofo, o Belo, como valor atribuído às coisas, deriva da "Beleza Universal". As coisas são belas  na medida em que participam da beleza transcendente, que se comunica com o mundo sensível  -  mundo material  -  transmitindo-lhes  qualidades, que na realidade pertencem ao mundo inteligível das ideias, ao mundo das essências imutáveis. Só as essências existem verdadeiramente. A imutabilidade é o sinal que distingue a realidade e perfeição, daquilo que é falho, em permanente mudança.

O pintor e o escultor imitam as coisas do mundo, que por sua vez, já são cópias da realidade perfeita. Imitam a aparência sensível, ilusória, enganadora, simulando uma realidade que não possuem efetivamente.

Para Platão, se o artista fosse verdadeiramente sábio, ele não trocaria a realidade pela aparência,  enredando a alma para o engano  e equívoco.
Não há razão para o artista reproduzir formas que são inferiores - uma vez que já são cópias de uma realidade perfeita - reproduzindo apenas o mundo da aparência.

Até mesmo o artesão estaria em contato mais próximo com o mundo inteligível, quando trabalha com a matéria  dando-lhe uma forma - por exemplo, quando concebe a forma de um leito - pois essa forma participa da ideia universal de todos os leitos possíveis, ao contrário do pintor e escultor que reproduzem uma figura singular, de um objeto sensível.
O artesão fabrica objetos úteis, que imitam certas essências, enquanto  a pintura e a escultura reproduz as coisas mutáveis do mundo sensível, cuja beleza é precária e ilusória.

Platão em seu Livro X,  de "A República"cita um exemplo de uma cama produzida por um artesão, para demonstrar que a arte é uma imitação e não a reprodução de uma realidade.

Ele distingue três níveis de produção:
Primeiramente, o produtor  supremo,  o "deus" que faz vir à presença a apresentação do puro Aspecto das coisas, o Protótipo, a Ideia.

No segundo nível, o artesão, que fabrica o objeto, que faz aparecer na madeira o objeto  singular que corresponde à "ideia" de cama, obedecendo a suas condições de utilização.

No terceiro nível está o pintor, que se contenta em indicar uma visão da cama, uma aparência de sua materialidade, distante da própria Ideia de cama, onde se inclui seu uso. O pintor não faz surgir nem o puro Aspecto de uma cama, nem uma cama que se pode ser usada. É apenas um "operário" da imagem.

Além da reflexão acerca da Arte e Realidade, Platão também observa que a poesia e a música exercem grande influência emocional, afetando o comportamento dos homens, tanto positiva, como negativamente, quando esta se rebaixa a reproduzir aquilo que intranquiliza a alma e prejudica a sua elevação.

Platão confere ao poeta um status maior, acima dos artífices - tanto artesãos, como pintores e escultores . Considera a poesia a arte máxima, aquela que maior afinidade possui com a inteligência e atividade do espírito e com a verdadeira beleza.
Platão atribui à poesia uma dignidade e função específica, situando-a no domínio das revelações místicas e filosóficas.
Considera esta - a poesia - veículo de conhecimentos extraordinários, inacessíveis à maioria dos homens, equiparando a figura do poeta a de um adivinho ou profeta, onde as poesias épicas ou líricas são concebidas e escritas sob ação direta da divindade, e portanto, não pertencentes à categoria de "póiesis", mas sim à categoria religiosa do "delírio", seja como manifestação divinatória, purificação do corpo e da alma, ou como inspiração das Musas.

O delírio do poeta transmite aos ouvintes o entusiasmo, despertando-lhes reminiscências da beleza universal, conhecida da alma, quando no reino das essências, de onde surgiu e da qual se apartou para ser aprisionada ao corpo.
Assim, a poesia instiga essas lembranças, reacendendo o desejo de retorno ao mundo inteligível, pátria original da alma.

Sandra Honors


Fonte:  Introdução à filosofia da Arte - Benedito Nunes
             A Obra de Arte - Ensaio sobre a ontologia das obras - Michel Haar

sábado, 7 de setembro de 2013

Erwin Panofsky

Erwin Panofsky                                    
Van der Weyden, A visão dos Três Reis Magos

Iconografia: Termo que tem origem em duas palavras gregas: Eikòn ( Imagem) e Graphia (escrita).

Chegamos ao significado, portanto: escrita ou descrição de imagens.
As imagens e as obras de arte, repletas de significados, trazendo em seu bojo, um contexto cultural determinado.

Para  Erwin Panofsky , a iconografia seria a descrição, a classificação, o estudo das imagens, compreendendo essas dentro de um contexto cultural determinado e de uma determinada  época em que surgiram. Requer um profundo conhecimento e domínio de diversas áreas do saber, para que seja possível identificar os elementos da imagem.

Já a  iconologia, interpreta e descobre significados da obra de arte, dentro de uma base filosófica, histórica, religiosa, sociológica, de uma determinada época, ou período específico. Busca-se decifrar as mensagens mais profundas, que o autor da obra quis transmitir.

Panofsky, um dos principais representantes do chamado  método iconológico,  define três momentos inseparáveis do ato interpretativo das obras em sua globalidade:. Ele estabelece três níveis  de interpretação da obra:

1) Nível primário, pré iconográfico, ou natural,
2) Segundo nível, ou nível secundário,ou convencional
3)Terceiro nível, ou significado profundo, nível iconológico

No nível primário, identificamos as formas, as configurações de linha e cor, determinados pedaços de bronze, ou pedra . É o dizer aquilo que se vê. O número de personagens, seus gêneros, como se vestem, quais são os seus aspéctos, o espaço e objetos ao redor, os elementos da natureza, etc.
O mundo das formas puras, que trazem em si significados naturais.
É fazer uma descrição daquilo que se vê.
A compreensão e exposição desses motivos corresponde para o autor, a "descrição pré- iconográfica.
Temos nessa etapa uma descrição, que dependeria basicamente da nossa experiência prática.
Qualquer pessoa poderá reconhecer a forma e o comportamento dos seres humanos, animais, plantas, como também, distinguir diversos estados e humores.

No segundo nível, buscamos a convenção. O que um gesto convencionalmente significa,por exemplo. Determinados gestos são vistos diferentemente em diferentes culturas.O que pode significar cordialidade em uma cultura, pode significar uma ofensa em outra.
Nessa fase, o objetivo é descobrir o tema.
Passamos do mundo natural para o nível inteligível.
No caso de nos depararmos com algo pouco familiar, ou desconhecido, teríamos que ampliar  o alcance de nossa experiência prática, consultando bibliografias, significados dos símbolos, das alegorias, das personificações,consultando peritos, etc.
De qualquer forma, nossa experiência prática pode não garantir a exatidão de nossa descrição iconográfica, motivo pelo qual Panofsky recorre à história dos estilos como um instrumento corretivo deste primeiro nível.

Por exemplo, numa descrição pré- iconográfica da obra de Roger van der Weyden " A visão dos três Reis Magos". O que nos dá a certeza de que a criança que paira no céu é uma aparição?
Os halos dourados não servem como explicação, pois o Meninos Jesus também é representado com esse halo em outras obras, onde é certo tratar-se de uma criança real e não uma aparição.

O fato de estar pairando no ar, também não pode ser considerada uma explicação certa, pois comparando essa obra a uma miniatura dos Evangelhos de Oto III, uma cidade é representada pairando no ar, mas não se trata de uma aparição, senão a cidade propriamente dita.Trata-se mesmo da cidade de Naim, onde Cristo ressuscitou o jovem. O fato é que a cidade foi representada  fora de uma representação de espaço realista, com respeito às leis de perspectiva, etc.. Não há neste caso nenhuma conotação miraculosa nessa cidade suspensa no ar. Temos portanto que localizar as variações das formas de representação conforme as condições históricas. Esse princípio corretivo é o que podemos chamar de história dos estilos.

Se o nível primário, ou tema natural  corresponde à descrição pré iconográfica da obra, o segundo nível poderá ser apreendido, quando associamos ao primeiro um  conceito, um significado determinado por uma convenção.
Esses motivos são chamados de "imagens", ou, se são uma combinação de imagens, "alegorias", ou "estórias", onde se analisa a figuração iconograficamente.
Aqui estão presentes a intenção consciente do artista, mesmo que certas qualidades expressivas não sejam intencionais.
Para esse nível de análise, serão necessários mais do que apenas a experiência prática, pois se fará necessário conhecimentos sobre temas específicos e conceitos.

Esse conhecimento poderá ser adquirido por fontes literárias, ou ainda pela tradição oral.
Neste nível, Panofsky aplica um instrumento corretivo, que é a história dos tipos.
Assim, no tema secundário, ou convencional, há a percepção de que um grupo de pessoas sentadas ao redor de uma mesa, numa determinada  posição representa a última ceia. Ou ainda, que uma figura masculina segurando uma faca representa São Bartolomeu. Mas, algumas vezes precisaremos recorrer ao instrumento corretivo neste  nível de análise,que é a já citada, história dos tipos.

Um exemplo que ilustra esse fato foi o erro na análise iconográfica da pintura de Francesco Maffei, onde observamos uma jovem segurando uma espada e uma bandeja com a cabeça de um homem degolado. A  bandeja com a cabeça poderia nos levar a acreditar tratar-se de Salomé. Mas, a espada é atribuída à Judite, que ao decapitar Holofernes,coloca sua cabeça em um saco.
Segundo Panofsky, se compararmos os tipos  com as pinturas do século XVI, poderemos verificar que a bandeja está presente em várias representações de Judite. Porém, não havia um "tipo" de Salomé com a espada. Daí podermos concluir que a obra de Maffei representa Judite e não Salomé, como já havia sido pensado.

Francesco Maffei "Judite"
Desta forma, através da verificação  e investigação da maneira pela qual, em condições histórias determinadas, os objetos e fatos eram expressos e representados, podemos ter  uma análise iconográfica mais exata.

Por fim, chegamos ao terceiro nível , ou significado intrínseco de uma obra. Este significado nos é dado pela determinação de princípios subjacentes que revelam a atitude básica de uma nação, de um período, de uma classe social, crença religiosa, ou filosofia. A interpretação iconológica, onde o pesquisador investiga outros documentos,que sirvam de testemunhas de tendências  políticas, religiosas, sociais,filosóficas,do país e do período em  questão. Esses elementos formam chamados  "valores simbólicos" por Ernst Cassirer, e é justamente a interpretação desse valores simbólicos que seriam o objeto da iconologia.

Para Panofsky na interpretação iconológica, há uma interpretação da obra de arte, no intuito de descobrir a mensagem que o autor dessa obra tentou transmitir. Sua essência, sua mensagem mais profunda.  Ela requer algo mais que o conhecimento dos conceitos ou temas específicos encontrados nas fontes literárias.
É necessário nessa etapa, conhecer o artista, a cultura, a mentalidade e o contexto histórico de sua época. Também se faz necessário saber sobre o comitente assim como, o local para  qual a obra foi destinada.

Para apossar-se dos princípios básicos que orientavam essa percepção era
necessário utilizar-se da intuição sintética, que deveria “ser corrigida por uma
compreensão da maneira pela qual, sob diferentes condições históricas, as
tendências gerais e essenciais das mentes humanas foram expressas por temas
específicos e conceitos” Explica a existência da obra, num determinado contexto e num determinado lugar, embasados em fatores extrínsecos à obra.


Sandra Honors

Fonte:

 Estudos de Iconologia - Temas Humanísticos na Arte do Renascimento - Erwin Panofsky
 As teorias da Arte - Jean Luc Chalumeau
 Guia de história da Arte - Giulio Argan e Maurizio Fagiolo
 Iconografia como metodologia investigativa em história da Arte - Luis Casimiro